Hipocritamente durmo na madrugada enquanto bois são abatidos nos frigoríficos da manhã. Durmo hipocritamente sem ver o sangue que escorre pelas calhas da noite e começam a subir, ondeando, pelos pés de minha cama. Durmo sem ver o olhar do boi no matadouro. O olhar. O berro. A morte. Tapo os ouvidos, mas os grunhidos dos porcos rasgam o pêlo da noite. O sangue espirra do curral da madrugada e homens ávidos vão desenrolando as tripas da fera, que estrebucha, para convertê-las em lingüiça que hipócrita e porcamente me serão servidas. Uma vez contaram-me como se matam gansos na França. Os bois, a gente pode pensar, levam aquela pancada súbita na cabeça e desmontam sua carcaça no ladrilho. Mas os gansos são cevados, como se cevam os frangos. Os frangos sabem que vão morrer nos campos de concentração vigiados pela SS dos frigor...